Viagem pelo interior de uma ilha encantada
Texto: Pássaro de água
Ilustração: Manuela Lemos


«Mufasa: Olha para dentro de ti, Simba. Tu és mais do que aquilo em que te tornaste. Tens de ocupar o teu lugar no Círculo da Vida.»
O Rei Leão, Walt Disney Pictures, 1994.
Na companhia de uma família de pássaros verdes, o pássaro azul experiencia o poder da sua imaginação e é seduzido pelo diálogo entre o corpo e a mente. A arte do sentir transforma a sua realidade e ele reconhece as vantagens da sensibilidade.
∞ A família ∞
Numa colónia habitada por várias espécies de aves, uma família de pássaros é cativada pela beleza natural e tranquilidade do local. Ela decide fixar-se numa das ilhas. Entre os seus descendentes há um pássaro com uma plumagem azul exuberante. Com uma autonomia do tamanho da sua curiosidade, voar é o seu maior prazer. Fascinado com o que encontra nas outras ilhas, ele decide explorar outros lugares.
∞ A tempestade ∞
Numa dessas viagens, o pássaro azul é surpreendido pelo sol escaldante do deserto. Depois de encontrar água e alimento, procura um abrigo. Já mais confortado, ele decide afastar-se daquele lugar. Contudo, pouco tempo depois, a sua resiliência é novamente testada. Sobrevoando um mar fortemente encarpelado, ele enfrenta um temporal pavoroso que se aproximou repentinamente. Desconcertado e angustiado, tenta encontrar rapidamente uma solução. No horizonte, ele avista um monte sob um belo arco-íris. Longínquo como parecia, conseguiria ele alcançá-lo? O que iria encontrar lá? O pássaro concentra-se para um último esforço. Assim que alcança terra firme, ele solta um suspiro profundo de alívio. Para além de um areal amplo, extraordinariamente macio, há um arvoredo denso mas penetrável. Sentindo-se em segurança, a inquietude diminui, os pensamentos abrandam e ele adormece.
∞ A reunião ∞
Quando explora o local pela primeira vez, ele verifica que se encontra numa ilha relativamente pequena, levemente circular e com uma tonalidade verde excecionalmente brilhante! Voltando-se para o mar, abre as asas na direção do vento e, repentinamente, apercebe-se que ali a alternância entre noite e dia não é evidente. Teria ele viajado até um dos polos geográficos terrestres? Considerando essa possibilidade improvável, o pássaro permanece recetivo a outras interpretações. Inesperadamente, uma melodia divinal proveniente do interior da ilha desperta a sua atenção. Seguindo o seu instinto, ele voa até lá.
Na terceira clareira, situada praticamente no centro da ilha, pássaros verdes cantam e dançam. Os desentendimentos são raros e acabam em abraços. O pássaro azul sente uma enorme simpatia por aquela passarada. Mas este sentimento positivo é acompanhado de um outro…a possibilidade de ser rejeitado! Ao vê-lo, os pássaros verdes adotam uma postura imóvel e atenta. Receoso da sua reação, o pássaro azul avança, cautelosamente. De repente, com uma movimentação magistralmente bem coordenada, os pássaros verdes alinham-se em fileiras, circundam-no e propõem-lhe uma visita guiada à ilha.
∞ A magia ∞
A primeira paragem ocorre junto a uma pequena flor. Numa das suas pétalas rosadas e humedecidas com discretas gotas de água encontra-se um borboleta. Os pássaros decidem observar aquela relação. Assim que água evapora, a borboleta debanda e a cor da flor desbota. Mas, rapidamente ela recupera o seu tom original. Alongando as pétalas, a flor partilha a sua frescura com outra borboleta, claramente mais bela do que a anterior. Os pássaros concordam plenamente com o comentário do pássaro mais velho: «— a riqueza da flor encontra-se no interior; ela é a sua maior beleza e confere-lhe vigor!»
Os pássaros observam agora a praia. Lá, o desembarque de um grupo de escuteiros está a decorrer tranquilamente. Subitamente, uma pequena embarcação é arrastada pelo mar com uma criança no interior. Quando os pássaros chegam ao local, ela encontra-se a discursar ininterruptamente num tom visivelmente excitado e impaciente:
«— Do outro lado da ilha não resisti a um mergulho e às profundezas fui parar. Entre peixes e corais de cores muito desiguais havia uma profusão de sons e muitos corrupios. De repente, um golfinho apresentou-se no caminho. Entrelaçando as mãos, seguimos na direção do barquinho.»
Aliviados, os amigos sorriram e felicitaram o escuteiro mais novinho pela experiência encantadora e surpreendente.
Em alto-mar, os pássaros distinguem um barco que, aparentemente, transporta uma árvore! Com a intensificação do vento, a ondulação do mar aumenta mas ela não afeta o seu equilíbrio. Assim que o vento abranda, eles voam até lá. O barco tinha sido usado por pássaros como abrigo. Com os ramos mais finos, eles tinham construído ninhos. Quanto à copa, ela serve de teto para os proteger da chuva ligeira que insiste em continuar.
O passageiro inusitado prossegue a sua viagem e os pássaros regressam à ilha. No caminho, eles encontram uma sereia que lhes segreda baixinho:
«— O importante é amar. Lancem no mar o medo, observem-no a flutuar nas ondas serenas ou intensas de pasmar. São duas formas opostas, naturalmente, tal como é sorrir ou chorar. Elas são partes de um todo que podes amar, até mesmo o medo. Ele existe para proteger. Mas se o “medo” ensurdece com um “olá” muito baixinho, fica mudo e quietinho, podem amar esse medo sem medo de amar!»
∞ A luz ∞
O período de luminosidade mínima aproxima-se rapidamente e eles só desejam descansar. Após uma breve confraternização na clareira central, os pássaros verdes iniciam o ritual para a formação de círculos concêntricos. À medida que o pássaro azul reproduz os movimentos dos pássaros verdes, ele compreende o simbolismo daquela prática regular: fortalecer a união. Ah! E, finalmente, iriam repousar. Já se encontravam em silêncio quando sentem uma brisa invulgar que desperta a sua atenção…uma estrela com oito pontos cintilantes movimenta-se rapidamente na sua direção. Sobre a clareira, ela alonga os braços e um octagrama gigante envolve-os com muita luz e calor por alguns instantes.
∞ A transformação ∞
Por esta altura, o pássaro azul desperta! Apercebendo-se de que a ilha não é verde brilhante e não há pássaros verdes por perto, a frustação começa a crescer dentro dele mas rapidamente ela desvanece. «— Oh! As lembranças são tão vívidas, tudo parece tão real!» E, começam as interrogações…Teriam os seus sentidos sido afetados durante a viagem? Teria ele sonhado? Enquanto relembra acontecimentos associados com alegria ou empatia, ele observa, acidentalmente, formigueiros ligeiros e agradáveis no corpo. Excitado com a descoberta, o pássaro começa a sentir alguma ansiedade que é acompanhada por uma rigidez suave ou contraturas subtis no pescoço, membros anteriores ou membros inferiores. Apercebendo-se da associação entre a “linguagem” corporal e os pensamentos, ele sorri longamente…a fronteira entre o sonho e a realidade tinha ficado mais ténue. Curioso mas consciente de que esta perceção lhe concederia benefícios e limitações, o pássaro azul soube imediatamente que continuaria a voar nas asas da imaginação, com admiração e satisfação.
∞

Manuela Lemos nasceu na primeira metade do século passado. Através das suas pinturas pretende louvar e celebrar a natureza e os animais. Nos temas relacionados com o infinitamente pequeno e o infinitamente grande pinta o círculo e a esfera que representa o movimento e a adaptação pacífica e em harmonia com o espaço.